Prestação de Contas pelo Inventariante sobre a Administração de Empresa


Por Fernando Barcelos Ferreira
Categorias: Direito Processual Civil
Em: 13/11/2012

A ação de prestação de contas tem como finalidade precípua a declaração de cumprimento ou não de uma obrigação e, no segundo caso, do valor devido. É regulada pelos artigos 914 a 919 do Código de Processo Civil.

Segundo Alexandre de Freitas Câmara, in Lições de Direito Processual Civil. 14 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, vol. III, 2008, ps. 321-331 (grifo nosso):

O primeiro procedimento especial de prestação de contas a ser examinado é o da "ação de exigir contas", a ser utilizado no caso de "prestação forçada de contas". Trata-se, como se poderá observar, de um procedimento diferente da maioria dos conhecidos do direito brasileiro. Isto porque o procedimento especial da "ação de exigir contas" é dividido em duas fases, bem distintas. A primeira é dedicada a verificar se existe ou não o direito de exigir a prestação de contas afirmado pelo demandante. A segunda fase, que só se instaura se ficar acertada a existência da obrigação do demandado de prestar contas, destina-se à verificação destas e do saldo eventualmente existente em favor de qualquer dos sujeitos da relação jurídica de direito material. É preciso notar, porém, que não se estará aqui diante de dois processos distintos, tramitando simultaneamente nos mesmos autos. O processo, em verdade, é único, embora dividido em duas fases distintas. Há, pois, o ajuizamento de uma única demanda, contendo um único mérito. A análise deste, porém, é dividido em dois momentos: o primeiro, dedicado à verificação da existência do direito de exigir a prestação de contas; o segundo, dirigido à verificação das contas e do saldo eventualmente existente.

[...]

A solução do problema aqui proposto, segundo nos parece, depende de se recordar que, no procedimento especial da "ação de exigir contas", o mérito é formado por dois temas: a) a existência ou não do direito de exigir a prestação de contas; b) o acerto ou erro das contas prestadas e a existência de saldo em favor de uma das partes. O exame do mérito da causa, nesse feito, foi dividido em duas fases, correspondendo, a cada uma delas, uma fase do procedimento. Assim sendo, o pronunciamento judicial que encerra a primeira fase contém a decisão da primeira questão de mérito, e funciona como chave de abertura da segunda fase do procedimento. Tem-se, pois, uma cisão do julgamento do mérito.

[...]

A sentença que julga a segunda fase (esta, sem dúvida, sentença, nos termos do art. 162, § 1º, do CPC) não só declara qual a conta certa, mas também cria certeza quanto à existência de saldo devedor, afirmando quem é o credor, e quem é o devedor, de tal saldo. Tal sentença terá, ainda, conteúdo condenatório, impondo a uma das partes o dever de pagar à outra o saldo apurado na conta aprovada. Tal capítulo condenatório da sentença tem, obviamente, eficácia executiva, nos termos do que expressamente dispõe o art. 918 do CPC, mas que de qualquer modo decorreria do art. 475-N, I, do mesmo Código.

Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, 17.a ed., Ed. Forense, 1998, v.3, p. 99, complementa que (grifo nosso):

A ação de prestação de contas é uma ação especial de conhecimento com predominante função condenatória, porque a meta última de sua sentença é dotar aquele a que se reconhece a qualidade de credor, segundo o saldo final do balanço aprovado em juízo, de título executivo extrajudicial para executar o devedor, nos moldes da execução por quantia certa (CPC, art. 918).

Não há duas prestações jurisdicionais distintas, ou seja, uma de acertamento das parcelas que compõem o acerto de contas entre os litigantes, e outra para condenar o devedor ao pagamento do saldo apurado. A demanda é única. Toda a atividade jurisdicional é, a um só tempo, voltada para a definição das contas com o propósito de tornar o seu resultado apto a desaguar nas vias operacionais da execução forçada.

Somente quando inexiste saldo devedor no acertamento de contas é que o procedimento não redunda na formação imediata de título executivo, por inexistir, evidentemente, o que executar. Pode-se, destarte, concluir que o procedimento especial da ação de prestação de contas tem, em regra, a força de tornar certa a expressão numérica de uma relação jurídica, com o fim de impor uma condenação à parte devedora pelo saldo apurado; e, às vezes, apenas a força de acertar o relacionamento jurídico e econômico entre as partes.

Observa-se que a sentença na ação de prestação de contas objetiva não apenas declarar o acertamento das contas prestadas, como também criar a obrigação de pagamento do saldo devedor eventualmente apurado, em favor de uma das partes.

No caso em discussão, embora tenha obrigação de prestar contas de sua administração à frente do espólio, o Inventariante não pode ser compelido a prestar contas da empresa na qual o espólio não detem a administração.

Isto porque, ao teor do que prescreve o art. 88 c/c o art. 1791, parágrafo único, do CCB, a herança constitui um todo unitário e indivisível, de forma que o direito dos herdeiros se regula pelas normas relativas ao condomínio.

Nessa situação, a prestação de contas deveria ocorrer quanto à totalidade de herança e não apenas um dos bens que a compõem.

Aliás, é importante ressaltar que a demonstração das entradas e saídas em contas de movimentação financeira da empresa certamente resultará em saldo positivo, mas este saldo não será devido aos herdeiros ou demais sócios, pois se trata de patrimônio social que só pode ser transferido como distribuição de resultados ou pró-labore, conforme o caso.

Com efeito, a sentença que reconheça o acerto na prestação das referidas contas jamais poderá condenar o Requerido a pagar aos Requerentes o respectivo saldo, pois estará criando a esdrúxula obrigação de indenizar pelos lucros proporcionados pela administração.

Somente se o Requerido, na condição de inventariante e administrador da referida empresa, houver dela recebido bens ou direitos, ou lhe causado prejuízos é que poderá ser condenado a ressarcir a pessoa jurídica ou o Espólio, ao teor do que prescreve o parágrafo único do art. 1791 c/c o art. 1319 do CCB.

Por esse motivo que a parte final do art. 919 do CPC determina que sendo o inventariante condenado a pagar o saldo apurado na prestação de contas e não o fazendo no prazo legal, o juiz poderá destituí-lo, seqüestrar os bens sob sua guarda e glosar o prêmio ou gratificação a que teria direito.

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